quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Winston Jones Paiva - 26/08/2014



Advogado que defendeu presos políticos em Juiz de Fora conta que denúncias eram montadas por pessoas infiltradas pelo regime



“Interrogavam pessoas, montavam as histórias; essas pessoas eram arroladas como testemunhas umas das outras.”- Winston Jones Paiva



No dia 26 de agosto, o advogado e professor universitário aposentado Winston Jones Paiva, 73 anos, em depoimento à Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora, falou sobre as leis que vigoraram durante o AI - 5, sobre presos políticos que defendeu, processos, julgamentos, autoridades militares, ameaças, tortura e sobre a troca de presos políticos por embaixadores sequestrados pela resistência.

Winston formou-se em 1965, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Durante a graduação, presidiu o Diretório Central dos Estudantes (DCE). Cerca de 10 dias após o golpe, foi detido por cerca de três horas, por um grupo paramilitar. Foi questionado sobre os livros que tinha em casa. “Eu tinha vários livros que podiam ser considerados subversivos. Livros que eu tive que enterrar, para evitar problemas.”

O advogado contou sobre elementos ligados ao regime, infiltrados em movimentos de resistência. “Um cidadão apelidado de ‘Chuchu’- não me recordo o nome dele - comparecia a várias cidades: Juiz de Fora, Barbacena, Ouro Preto, Congonhas, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo… Ele entrava em contato com algumas pessoas e depois dizia que essas pessoas faziam parte de um grupo de resistência, posteriormente apelidado de Corrente. Pouco tempo depois, descobriram que ele era um elemento infiltrado pelo regime, assim como o Cabo Anselmo.” As denúncias de “Chuchu” resultaram no “Julgamento da Corrente”, em que foram julgadas 117 pessoas. Todos foram absolvidos, pois foi comprovado que não se conheciam.

Durante o período ditatorial, o advogado atuou em diversos casos envolvendo presos políticos, como o Processo dos 18, o Processo dos Intelectuais, o Processo da Colina e o Processo da Corrente. O advogado recordou que era necessário ter muito cuidado para não ser confundido com subversivos ao defender seus clientes. “Eu ficava muito preocupado, pois eu sabia que estava sendo acompanhado o tempo todo e não sabia onde aquilo ia parar”.

Casos de violação de direitos também foram citados por Winston. Ele ressaltou um acontecimento ligado a um grupo de resistência conhecido por “Colina”. Durante a madrugada, militares invadiram uma casa onde pessoas ligadas à resistência se reuniam. Uma dessas pessoas tinha uma metralhadora; dois militares morreram. “Em virtude disso, os envolvidos foram violentamente torturados”, recordou.

Segundo Winston Jones, a montagem de depoimentos era uma prática comum. “Interrogavam pessoas, montavam as histórias; essas pessoas eram arroladas como testemunhas umas das outras.” O advogado recordou que durante o Julgamento do Processo da Corrente, o promotor responsável, ao ler partes dos depoimentos, alterou as informações que eles continham. “Dois escrivães olhavam a cena assustados. Perguntei o que era. Eles responderam: ‘Ele não está lendo, está inventando’.”
      




                                                                        Fotos por: Jéssica Dias

Rafael Sales Pimenta - 26/08/2014



Advogado fala à Comissão Municipal da Verdade sobre a prisão política do pai e o assassinato do irmão em Marabá





“Meu pai tinha medo de ser preso a qualquer momento. Dar aulas, em lugar e horário fixo era sua maior preocupação. Facilmente poderia ser encontrado" – Rafael Sales Pimenta





A Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora gravou, em 26 de agosto de 2014, o depoimento do advogado e professor universitário Rafael Sales Pimenta, 55 anos, que falou sobre a prisão política de seu falecido pai, o professor aposentado da UFJF Geraldo Gomes Pimenta, e sobre seu irmão, o advogado Gabriel Sales Pimenta, assassinado em 18 de julho de 1982.

O ex-militar Geraldo teve várias profissões e trabalhou em diversos bancos. Engajado em movimentos sindicais, começou a militar no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na década de 1950. Junto com Clodesmith Riani e outros líderes sindicais da época, formou o grupo de sindicalistas do PTB. Presidiu o Sindicato dos Bancários de Juiz de Fora por dois mandatos. Na década de 1970, tornou-se professor universitário. Formado em Jornalismo, Ciências Sociais e Economia, foi um dos primeiros professores da Faculdade de Economia, ajudando a estruturar o curso. Deu aulas nos cursos de Economia, Filosofia, Letras e Jornalismo.

Membros do Movimento Familiar Cristão (MFC), Geraldo e sua esposa, Maria da Glória Sales Pimenta, acolhiam pessoas em sua casa e com o auxílio de vizinhos e amigos ofereciam refeições. Algumas dessas pessoas aproveitavam esse espaço para fazer reuniões com temáticas ligadas à resistência. Em sua casa havia um porão, onde foi encontrado um panfleto informativo do partido comunista. O professor foi detido para prestar esclarecimentos. Foi julgado e absolvido. Devido às perseguições políticas, Geraldo encontrou dificuldades para manter seu emprego, não evoluindo na carreira docente, terminando por se aposentar como professor em regime 20 horas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. "Meu pai tinha medo de ser preso a qualquer momento. Aos finais de semana, sumia de casa, com medo de ser detido. Dar aulas, em um lugar e horário fixo era sua maior preocupação. Facilmente poderia ser encontrado", relatou Rafael.

    Gabriel Sales Pimenta sempre se destacou nos estudos. Passou em 1º lugar no vestibular de Direito na UFJF e em 4º lugar no concurso do Banco do Brasil, sendo lotado em Brasília. Conheceu a Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica e foi convidado para advogar pela CPT em Conceição do Araguaia. Pouco tempo depois, foi transferido para Marabá, cidade paraense próxima a Serra Pelada, devido aos conflitos locais, ligados à extração de ouro e invasão de terras. Gabriel assumiu a defesa dos trabalhadores rurais e da construção civil da região. Em 1 ano e meio, criou quatro sindicatos, contrariando o sistema de poder local. Foi assassinado em 18 de julho de 1982.

    O jovem advogado ajudou a fundar o partido político Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em Marabá. Esse era um partido que abrigava opositores ao regime militar. Nessa cidade existiam apenas os partidos Arena 1 e Arena 2. Gabriel conseguiu levantar candidatos pelo partido. O estopim para sua morte foi a invasão de 160 famílias a uma fazenda abandonada. Grileiros compraram a terra e conseguiram uma liminar de restituição. Gabriel conseguiu um mandato de segurança, porém foi assassinado três semanas antes do julgamento, aos 27 anos. "Os mandantes não queriam que ele comparecesse à audiência. O mandato de segurança foi aceito e as famílias ficaram com a terra. Vivem lá até hoje. Ás vezes, vamos visitá-los", comentou Rafael Pimenta.
     






Fotos por: Jéssica Dias

João Carlos Horta Reis - 07/08/2014



JOÃO COMUNISTA CONTA À COMISSÃO MUNICIPAL DA VERDADE AS TORTURAS QUE SOFREU NA PRISÃO



“Lá eles matavam quando eles quisessem. Não precisava de dar comprimido para matar não... Igual fizeram com o outro, te matam, dá um tiro, depois te enfiam em um buraco lá no subúrbio e falam que você morreu brigando, lutando contra eles...” João Comunista



João Comunista é o apelido pelo qual é conhecido João Carlos Reis Horta, que prestou depoimento à Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora no dia 07 de agosto de 2014. Ele contou a história dos dias em que passou preso e que foi torturado durante a ditadura militar que se instalou no Brasil entre os anos 1964 e 1985.

Comunista desde a juventude, João Carlos, que trabalhava com livros, na Livraria Sagarana, foi preso em Juiz de Fora pouco tempo após adquirir sua própria livraria, em sociedade com amigos. Depois de solto, foi morar e trabalhar no Rio de Janeiro e lá passou a fazer parte da Resistência Armada Nacional (R.A.N.), um dos movimentos que lutava contra o regime militar.

Neste período foi preso novamente, e, segundo revela, experimentou terríveis experiências, como ficar preso nu em uma cela chamada de “geladeira”, por ser escura, fria, sem janelas, e com ar condicionado ligado no máximo, ou ainda, ficar confinado em uma solitária, sem ver nem conversar com ninguém por mais de 30 dias.

Dentre as torturas que sofreu, levou choques nas partes mais sensíveis do corpo, foi espancado, levou chutes, teve a cabeça mergulhada em água até perder o fôlego, andou de capuz sem poder ver o que ia acontecer, teve armas apontadas para sua cabeça e disparadas sem balas, como forma de pressão psicológica.

João Carlos contou a história de amigos que também foram presos e torturados e com quem dividiu tristezas e vitórias, revelando que, infelizmente, não foram mentiras as situações inimagináveis de violação aos direitos humanos ocorridas no período da ditadura no Brasil.

Em seu relato, revela que encontrou militares que, mesmo sem precisar, “eram covardes”, como um que o deixou na solitária por vários dias após ter havido determinação para que ninguém mais ficasse neste tipo de cela, ou outro que o tratou como prisioneiro, algemado e com armas apontadas para a cabeça mesmo após ele ter sido libertado. Encontrou, também, aqueles que seguiam seus princípios e não só não impingiam torturas como procuravam tornar mais leve a situação, como um comissário que, em seu turno, mandava o carcereiro soltar todos das solitárias para que pudessem conversar, comprava cigarro para os presos, e assumia que as regras militares não iriam se sobrepor a seus princípios.




                                                                  Fotos por: Jéssica Dias

Marilda Villela Iamamoto - 01/08/2014



Professora Titular da UERJ conta à CMV-JF detalhes

sobre a tortura sofrida durante o regime militar



“Sofri muitas agressões, fui inquirida, tiraram minha roupa, ameaçaram choque nos seios” – Marilda Villela Iamamoto



A professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Marilda Villela Iamamoto contou à Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora detalhes de sua prisão durante o regime militar. “Fui sequestrada na porta da minha casa”, disse, em depoimento gravado no dia 1º de agosto de 2014.

Marilda é assistente social, formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde teve início sua militância. Durante a faculdade, nos anos de 1967 a 1971, militou no movimento Juventude Universitária Católica (JUC), participou ativamente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Serviço Social e também do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Representou a Faculdade de Serviço Social na executiva que articulava questões relativas à formação acadêmica e ao movimento estudantil, dentro da Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESS), movimento vinculado à União Nacional dos Estudantes (UNE), que à época era considerada ilegal.

   Vinculada ao movimento Ação Popular (AP), durante o Congresso da UNE, que ocorreu em Ibiúna no ano de 1968, Marilda ajudou a organizar “pequenos comícios” em ônibus e espaços públicos juiz-foranos, denunciando prisões efetuadas pelo regime. “Nunca participei da luta armada. O que fazíamos é o que hoje o movimento estudantil faz, numa instância democrática”, ressaltou.

   Assim que se formou, a assistente social foi convidada para ministrar aulas na Universidade Católica de Minas (UCMG), hoje Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e posteriormente foi aprovada em um concurso do antigo INPS, hoje Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), passando a ser lotada na Coordenação de Bem Estar no serviço de assistência ao menor excepcional, em Belo Horizonte, cidade onde ficou detida no DOI-CODI por 62 dias. Por intermédio de um professor da PUC-Minas, também militar, pode receber a visita de seus pais nos primeiros dias de cárcere. “Ele dizia que rapidamente eu seria liberada, mas aí bateu a conexão com o movimento estudantil de Juiz de Fora, e resolveram me manter detida”, recordou. 

Marilda relatou à CMV-JF as agressões sofridas e o que viu no tempo em que ficou presa. Nos dois primeiros dias de prisão, ficou sem dormir, passou mais de 24 horas sem água e comida. No terceiro dia, começaram as torturas físicas e a tortura psicológica intensificou-se. Tapas, socos nos ouvidos, choques nas mãos e ameaças eram constantes. “Sofri muitas agressões, fui inquirida, tiraram minha roupa, ameaçaram choque nos seios, na vagina… agressões do ponto de vista da minha pessoa como mulher”, relatou. Marilda afirmou não ter sofrido abusos sexuais e que jamais houve ameaça verbal de estupro. “Uma noite saíram comigo, em uma caminhonete cheia de homens, e me levaram pra uma estrada. Achei que eles iam me matar, iam me estuprar, sei lá. Estavam me usando como isca para procurar outras pessoas”, recorda.

A presença constante de homens durante os interrogatórios em que se encontrava seminua assustava. Marilda contou que passou uma noite acordada, com sete homens no mesmo quarto: “Quando consegui sair do quarto, entrei em um corredor e tive uma visão de cena de horror, muita gente deformada, pessoas cheias de hematomas. Colocavam uma mangueira na boca das pessoas e tentavam fazê-las tomar de uma só vez toda a água que saía… Havia música alta para abafar os gritos”.

     Após esse período no DOI-CODI de Belo Horizonte, foi julgada e condenada a seis meses de prisão. “Encontraram no meu apartamento, o livro “A Sociologia de Marx”, que a época era a grande subversão. Ao lado desse livro, anexaram outra documentação, e atribuíram a mim, como se houvesse sido retirado lá de casa”, afirmou. Não havia presídios femininos em Minas Gerais. Dom Geraldo de Moraes Penido, na ocasião, bispo de Juiz de Fora, interviu e a assistente social cumpriu a pena em Juiz de Fora, no instituto João Emílio. Após ser libertada, Marilda se casou, e sofreu na pele, junto com seu marido, a perseguição da ditadura. Perderam várias oportunidades de emprego, em diferentes lugares do país, o que ela denominou como “Caça às bruxas”. Foi anistiada em 2006 e atualmente contribui com a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, numa pesquisa financiada pela FAPERJ, sobre a repressão no campo.




                                                                                 Fotos por: Jéssica Dias