'Não queremos vingança, queremos
justiça'
Modesto da Silveira depõe para
CMV-JF e faz palestra na cidade
Dentre as importantes declarações prestadas pelo
advogado Antônio Modesto da Silveira à Comissão Municipal da Verdade (CMV-JF),
está a opinião de que Juiz de Fora teve importância singular no processo do
golpe e da manutenção da ditadura. Além do golpe ter partido daqui, "Juiz
de Fora deixou muitas sequelas, aqui havia uma Auditoria Militar que recebeu
muitos processos". No entanto, o advogado, que é considerado o que mais
defendeu presos políticos no período da ditadura, afirma que mesmo antes das
conspirações locais, nos grandes centros urbanos o clima de oposição ao Governo
João Goulart era diferente e até mais incisivo.
Em depoimento na tarde desta quarta-feira (17),
Modesto da Silveira relembrou a vivência no período da ditadura. Formado em
direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) dois anos antes do
golpe, ele contou suas impressões do fatídico 1º de abril, quando tropas
militares tomaram as ruas e iniciaram o processo que tomaria 21 anos da
história do país.
Na visão dele, nem as especulações de que o Governo
João Goulart seria comunista, por conta das medidas esquerdistas, e nem a
presença dos "Voluntários da Paz" (americanos de aparência latina que
tentavam implantar nos estudantes da UERJ ideias contra o governo) conseguiram
evitar o fator inesperado do dia em que os militares tomaram o poder. “O povo
começou a aplaudir os tanques achando que eles estavam a favor da liderança,
mas eles apontaram para as lideranças do governo, e, então, as pessoas
começaram a vaiar. Ali o golpe estava acontecendo.” Percebido o equívoco, conta
Modesto da Silveira, que estava no Rio de Janeiro na ocasião, as vaias foram dispersas
com uma pequena prévia da violência que caracterizaria a ditadura militar.
"O país não pode se esquecer e tem que
rememorar com toda verdade", afirmou o advogado à CMV-JF. Com 87 anos e
lúcido, o mineiro Modesto da Silveira vive desde então no Rio de Janeiro. Mas a
relação com Juiz de Fora é guardada pelo fato de ter defendido presos e
perseguidos políticos da cidade ou que responderam processo aqui, a sede da
Auditoria da 4ª Região Militar. Entre os defendidos por ele estão o ex-deputado
estadual e sindicalista Clodesmidt Riani e o então diretor regional dos
Correios, Misael Cardoso Teixeira, que possivelmente foi o primeiro preso
político da ditadura na cidade. "Todos os que me procuravam eu defendia.
Eu não era advogado das organizações, e sim dos perseguidos políticos, de
qualquer cidadão que necessitasse ter seus direitos defendidos."
Mas além da defesa de quem sofreu violações, o
advogado também foi vítima do regime. Assim como inúmeros advogados, como
Sobral Pinto, ele também foi sequestrado. "Eu estava em uma sessão de
cinema, cheguei em casa um pouco depois da meia-noite e vi uma movimentação
diferente. Saí do táxi e fui cercado. Foi chegando um grupo e dizendo: 'Temos
ordens para levar o senhor.' Posteriormente, me levaram para uma sala de tortura
e condenação, para ser interrogado", contou. Como já suspeitava do que se
tratava, ele pediu a sua companheira que informasse o que ocorreu à Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Modesto da Silveira foi levado para o Destacamento
de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi)
da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, e ficou lá por alguns dias. Depois de
solto, não respondeu processo. “Não havia nada contra mim, por isso não
podiam me processar”.
Sobre aqueles que atuavam em prol do regime, o
advogado foi enfático: "Autoridade que sequestra não é autoridade, é
bandido. É até pior do que bandido, porque, como autoridade, tinha que
combater isso." Segundo ele, os advogados eram vítimas porque estavam
incomodando. “Não queremos vingança, queremos Justiça”, conclui.
Palestra
Após o depoimento, Modesto da Silveira
proferiu palestra na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O evento, promovido
pela CMV-JF em parceria com a Faculdade de Direito da UFJF e a 4ª Subseção da OAB,
teve como tema “A história nos últimos 50 anos -
os tempos de sorrir e o de chorar”. Durante a palestra, Modesto da
Silveira ressaltou a vasta experiência que adquiriu no período da ditadura,
defendendo os direitos humanos, e destacou que a ditadura acabou, mas as sequelas
continuam até hoje, sejam físicas, psicológicas ou econômicas.
O advogado revelou a importância das
denúncias anônimas originadas de dentro dos órgãos militares, que propiciaram salvar
vidas, em um momento em que “carregar um livro debaixo do braço significava ser
subversivo”. “Até ser católico era crime”, lembrou.
Modesto da Silveira foi deputado federal
eleito pelo MDB em 1978 e, durante seu mandato (1979-1983), foi um dos encaminhadores
da votação da Lei da Anistia no Congresso Nacional. Por conta disso e da
atuação profissional, contou casos e situações em que a sociedade confunde a
aplicação das leis com punição além da medida. Em resposta a uma das perguntas
feitas pelos estudantes presentes, o advogado reforçou ser preciso diferenciar
Justiça de vingança. “Eu não sequestraria nem o meu sequestrador, senão eu me
igualaria a ele.”
Sobre a Lei da Anistia, assinada no Governo
do general Figueiredo, Modesto da Silveira declarou que os militares não concederam
a anistia que o povo queria, mas a que suportaram. “O termo ‘crime conexo’
contido na lei acabou por beneficiar os militares, inclusive aqueles que cometerem
crimes comuns, anistiando não apenas os crimes políticos. Mas quem comete crime
comum é bandido e não deveria ser anistiado.” Conforme o advogado, “o que é
errado não pacifica nada”, por isso, a lei não atendeu ao seu propósito
inicial.
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