domingo, 21 de setembro de 2014

''Não queremos vingança, queremos justiça'' - Modesto da Silveira depõe para CMV-JF e faz palestra na cidade

'Não queremos vingança, queremos justiça'
Modesto da Silveira depõe para CMV-JF e faz palestra na cidade

Dentre as importantes declarações prestadas pelo advogado Antônio Modesto da Silveira à Comissão Municipal da Verdade (CMV-JF), está a opinião de que Juiz de Fora teve importância singular no processo do golpe e da manutenção da ditadura. Além do golpe ter partido daqui, "Juiz de Fora deixou muitas sequelas, aqui havia uma Auditoria Militar que recebeu muitos processos". No entanto, o advogado, que é considerado o que mais defendeu presos políticos no período da ditadura, afirma que mesmo antes das conspirações locais, nos grandes centros urbanos o clima de oposição ao Governo João Goulart era diferente e até mais incisivo.
Em depoimento na tarde desta quarta-feira (17), Modesto da Silveira relembrou a vivência no período da ditadura. Formado em direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) dois anos antes do golpe, ele contou suas impressões do fatídico 1º de abril, quando tropas militares tomaram as ruas e iniciaram o processo que tomaria 21 anos da história do país.
Na visão dele, nem as especulações de que o Governo João Goulart seria comunista, por conta das medidas esquerdistas, e nem a presença dos "Voluntários da Paz" (americanos de aparência latina que tentavam implantar nos estudantes da UERJ ideias contra o governo) conseguiram evitar o fator inesperado do dia em que os militares tomaram o poder. “O povo começou a aplaudir os tanques achando que eles estavam a favor da liderança, mas eles apontaram para as lideranças do governo, e, então, as pessoas começaram a vaiar. Ali o golpe estava acontecendo.” Percebido o equívoco, conta Modesto da Silveira, que estava no Rio de Janeiro na ocasião, as vaias foram dispersas com uma pequena prévia da violência que caracterizaria a ditadura militar.
"O país não pode se esquecer e tem que rememorar com toda verdade", afirmou o advogado à CMV-JF. Com 87 anos e lúcido, o mineiro Modesto da Silveira vive desde então no Rio de Janeiro. Mas a relação com Juiz de Fora é guardada pelo fato de ter defendido presos e perseguidos políticos da cidade ou que responderam processo aqui, a sede da Auditoria da 4ª Região Militar. Entre os defendidos por ele estão o ex-deputado estadual e sindicalista Clodesmidt Riani e o então diretor regional dos Correios, Misael Cardoso Teixeira, que possivelmente foi o primeiro preso político da ditadura na cidade. "Todos os que me procuravam eu defendia. Eu não era advogado das organizações, e sim dos perseguidos políticos, de qualquer cidadão que necessitasse ter seus direitos defendidos."
Mas além da defesa de quem sofreu violações, o advogado também foi vítima do regime. Assim como inúmeros advogados, como Sobral Pinto, ele também foi sequestrado. "Eu estava em uma sessão de cinema, cheguei em casa um pouco depois da meia-noite e vi uma movimentação diferente. Saí do táxi e fui cercado. Foi chegando um grupo e dizendo: 'Temos ordens para levar o senhor.' Posteriormente, me levaram para uma sala de tortura e condenação, para ser interrogado", contou. Como já suspeitava do que se tratava, ele pediu a sua companheira que informasse o que ocorreu à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Modesto da Silveira foi levado para o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, e ficou lá por alguns dias. Depois de solto, não respondeu processo. “Não havia nada contra mim, por isso não podiam me processar”.
Sobre aqueles que atuavam em prol do regime, o advogado foi enfático: "Autoridade que sequestra não é autoridade, é bandido. É até pior do que bandido, porque, como autoridade, tinha que combater isso." Segundo ele, os advogados eram vítimas porque estavam incomodando. “Não queremos vingança, queremos Justiça”, conclui.

Palestra

Após o depoimento, Modesto da Silveira proferiu palestra na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O evento, promovido pela CMV-JF em parceria com a Faculdade de Direito da UFJF e a 4ª Subseção da OAB, teve como tema “A história nos últimos 50 anos - os tempos de sorrir e o de chorar”. Durante a palestra, Modesto da Silveira ressaltou a vasta experiência que adquiriu no período da ditadura, defendendo os direitos humanos, e destacou que a ditadura acabou, mas as sequelas continuam até hoje, sejam físicas, psicológicas ou econômicas.
O advogado revelou a importância das denúncias anônimas originadas de dentro dos órgãos militares, que propiciaram salvar vidas, em um momento em que “carregar um livro debaixo do braço significava ser subversivo”. “Até ser católico era crime”, lembrou.
Modesto da Silveira foi deputado federal eleito pelo MDB em 1978 e, durante seu mandato (1979-1983), foi um dos encaminhadores da votação da Lei da Anistia no Congresso Nacional. Por conta disso e da atuação profissional, contou casos e situações em que a sociedade confunde a aplicação das leis com punição além da medida. Em resposta a uma das perguntas feitas pelos estudantes presentes, o advogado reforçou ser preciso diferenciar Justiça de vingança. “Eu não sequestraria nem o meu sequestrador, senão eu me igualaria a ele.”
Sobre a Lei da Anistia, assinada no Governo do general Figueiredo, Modesto da Silveira declarou que os militares não concederam a anistia que o povo queria, mas a que suportaram. “O termo ‘crime conexo’ contido na lei acabou por beneficiar os militares, inclusive aqueles que cometerem crimes comuns, anistiando não apenas os crimes políticos. Mas quem comete crime comum é bandido e não deveria ser anistiado.” Conforme o advogado, “o que é errado não pacifica nada”, por isso, a lei não atendeu ao seu propósito inicial.

      
 


Nenhum comentário:

Postar um comentário