Apesar
de ainda ser um menino quando o golpe de 1964 foi deflagrado, o editor-geral do
jornal Tribuna de Minas, Paulo César Magella, traz lembranças vívidas da
ditadura militar, e principalmente dos anos finais do regime, quando já atuava
como jornalista em Juiz de Fora. Com uma memória invejável, o jornalista se
recordou em entrevista à Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora na
última terça-feira (20) que muitas vezes eram os censores que levavam a notícia
às redações. Segundo ele, em algumas ocasiões os avisos das informações que não
poderiam ser publicadas pela Rádio PRB3, onde atuava, acabavam informando os jornalistas
do que ocorria. “Sem querer eles nos avisavam de coisas que não sabíamos. E aí,
como o aviso de censura tinha chegado só para a gente, passávamos a notícia
para os jornais do grupo (Diários Associados) e eles publicavam.” PC, como é
mais conhecido, lembra que essa era uma das poucas maneiras de driblar a
censura e veio a ocorrer em um momento de repressão menos intensa.
Contudo,
na maioria dos casos, as imposições do regime autoritário acabavam sendo
aceitas nas
"Fazíamos vigília na Auditoria Militar para cobrir o caso dos 18" |
Entre
as coberturas que participou durante o período da ditadura, PC se recorda das visitas
de políticos a Juiz de Fora. “Foi a primeira vez que vi um presidente da República
de perto”, diz ao falar da passagem do general Ernesto Geisel pela cidade.
Outro momento marcante foi entrevistar Leonel Brizola no início dos anos 1980:
“Era cativante ouvir Leonel”.
Outro
caso destacado pelo jornalista diz respeito a um processo envolvendo colegas de
profissão. “Fazíamos vigília na Auditoria Militar para cobrir o caso dos 18.”. A
menção diz respeito à cobertura feita pela imprensa sobre o processo instaurado
pela Justiça Militar em 1981, que ficou conhecido como “Julgamento dos 18”. Na
ocasião, foram julgadas 18 pessoas, inclusive três jornalistas, entre eles Renato
Henrique Dias, por noticiarem um manifesto de
sindicatos e movimentos estudantis que denunciava suspeitas de fraude na
acusação de um professor pela Lei de Segurança Nacional. Antes disso, conforme
PC, a cobertura dos processos julgados em Juiz de Fora era bem menos destacada
nos veículos de comunicação, já que havia dificuldade de acesso à Auditoria e
aos processos.
Nascido
na cidade de Santos Dumont em 1953, o
jornalista lembra do medo que sentiu no dia 31 de março de 1964: “A
movimentação era grande, os vizinhos saiam de casa para servir ao Exército.” A
notícia foi recebida pela família através do rádio e, seu pai, que era
ferroviário - filiado ao PTB e fazia parte de movimentos políticos, logo tratou
de contar ao filho que o presidente havia sido deposto por militares. Apesar do
conhecimento político e envolvimento partidário do pai, PC diz que ele não
sofreu represálias durante o período ditatorial.
Apesar
de ainda não entenderem a dimensão do que ocorria no país, PC diz que ele e os
colegas se manifestavam como podiam. Ainda no colégio, protestavam “colocando
as cadeiras uma em cima da outra na sala de aula.”
Seu
primeiro contato com o jornalismo foi aos 17 anos, na Rádio Cultura de Santos
Dumont, quando havia acabado de se formar em contabilidade. Depois, enquanto estudante
de direito na UFJF, em dezembro de 1975, começou a trabalhar no quadro dos
Diários Associados. Seu primeiro trabalho de destaque foi uma manchete na
edição de domingo do Diário Mercantil. A reportagem era sobre um discurso feito
em Juiz de Fora pelo advogado, jurista e escritor Heleno Cláudio Fragoso. “Devo
a ele e ao Wilson Cid (jornalista) o meu ingresso no jornalismo.”
“Fui segurado
pelas calças”, relata Toninho Carvalho
Os
constrangimentos enfrentados pelos jornalistas durante a ditadura militar
integram as lembranças de Antônio Geraldo Carvalho, o Toninho Carvalho, Bem
humorado, o fotógrafo contou à Comissão Municipal da Verdade (CMV-JF), na manhã
da última terça-feira (20), sobre o dia em que foi retirado de um restaurante
segurado pelas calças por militares. Ele tentava fotografar o então presidente
da República, Arthur da Costa e Silva: “Fiquei com os pés suspensos no
elevador. Fui segurado pelas calças.”
Toninho
iniciou sua carreira no jornalismo como revisor da Gazeta Comercial,
em 1964. No fim dos anos 1960 foi para o Diário Mercantil, já como fotógrafo. Fotografou
julgamentos de presos políticos na Auditoria Militar, que funcionava na Praça
Antônio Carlos, e entrevistas na Penitenciária de Linhares. Normalmente, era
necessária autorização do oficial de Justiça, do juiz ou do promotor Simeão de
Faria, para realizar fotos na Auditoria. Algumas vezes, Toninho foi impedido de
fotografar e, para escapar da prisão, ia embora sem as imagens. Em outras
situações, fotografou escondido, sem usar o flash.
“Os
militares censuravam tudo, inclusive as fotografias.” Na visão dele, os
fotógrafos eram os mais prejudicados. “Nós erámos ‘pau-mandados’.” Censores
entravam nas redações e os negativos eram levados para avaliação antes da
publicação das fotos. Apenas aquelas fotografias que eram aceitos pelos
militares, voltavam à redação, o resto do filme era cortado e ficava com o
Exército.
Para Toninho, os fotógrafos eram os mais prejudicados na ditadura |
No
dia 31 de março de 1964 Toninho recorda da partida das tropas em direção ao Rio
de Janeiro para derrubar o presidente João Goulart. “As mulheres jogavam
flores. Acreditavam nas vantagens da revolução.” Conforme o fotógrafo,
um ano após o golpe, ainda havia comemoração na cidade e ele não compreendia
como as pessoas poderiam celebrar o que estava ocorrendo: “Havia faixas pelas
ruas de Juiz de Fora com os dizeres ‘Viva a Revolução!’”
No
início da década de 1980, quando a “repressão já era mais branda”, o movimento
estudantil de Juiz de Fora, liderado pelo Diretório Central dos Estudantes, organizou
uma manifestação pela melhoria do transporte público. Na ocasião, Toninho
refugiou-se em um prédio para fotografar a manifestação, já que os militares
não permitiam fotografias: “Eles estavam tomando as máquinas dos fotógrafos e
quebrando.”
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